É como se um oceano de petróleo estivesse se movendo rapidamente
– esticando-se tão longe quanto o olho pudesse ver, e ainda assim ele não passa
da altura dos joelhos. Até mesmo o céu parece pintado de preto. Ela é somente
uma solitária figura branca parada em pé no meio de tudo isso, imperturbável
pela congelante água negra correndo por sobre seus pés descalços. Seu robe
branco balança nas ondas, mas permanece seco.
Já faz muitos meses desde o momento em que um estranho
homem entrou no rio dela para perguntá-la o porquê. Ele questionou o porquê de
o Pêndulo balançar e, quando ela lhe contou a história, ele começou a gemer e a
chorar compulsivamente. Então, ela se apiedou do homem e decidiu acompanhá-lo.
Agora, a Branca de Neve está completamente sozinha.
De repente, o som de unhas raspando paredes perfura os
seus ouvidos e ela se encolhe com o barulho. Ao mesmo tempo, um largo rasgo
branco aparece em frente a ela no ar. Dali, alguns flocos brancos flutuam e
caem na água para serem engolfados pela escuridão.
A luz brilhando desse rasgo suspenso em pleno ar parece
desafiá-la, e ela se aproxima de dentro da água negra. Hesitantemente o cutuca
com um dedo, sentindo um vento agradável e fresco no outro lado. De dentro
dessa luz, algo a chama com clareza.
Com isso, um olhar determinado cruza o seu rosto. Ela
enfia ambas as mãos dentro do rasgo e o abre, rompendo-o. Uma imensidão de
flocos de neve irrompe contra ela da abertura, mas ela apenas inspira e dá um
passo adiante.
Está nevando em Manhattan.
A neve cai em largos tufos de bolas de algodão, cobrindo
suavemente as ruas. As pessoas estão em um movimento frenético de ir e vir,
como de costume, mas ninguém olha um para o outro. Não há conversas. Elas estão
ocupadas demais com suas próprias vidas para fazer alguma companhia aos seus
semelhantes nessa cidade fria.
O que há em Nova York que a faça ser tão solitária? Talvez
seja um dos efeitos colaterais da chegada do inverno, ou porque – de acordo com
o capital empresarial da cidade – ninguém aqui tivera tempo para se conectar.
Ou talvez isso tenha acontecido só porque eu havia acabado de me mudar para cá
do meio oeste, onde todos pareciam se conhecer. Aqui, eu raramente converso com
alguém.
Do meu apartamento de quinta categoria, você pode
observar as pessoas virem e descerem pela rua o quanto quiser. É como qualquer
outra rua na cidade, chata e entediante. Hoje, no entanto, não é assim. A
mulher branca jogou tudo isso ladeira a baixo.
Alguém poderia confundi-la com um manequim de tão pálida
que ela é. Seu cabelo é muito comprido e do branco mais puro, e ela veste um
longo robe num estilo parecido com um quimono. A maneira como a neve fria de
Outubro cai sobre sua figura a faz parecer espectral, como um fantasma.
Eu tinha acabado de voltar do mercado quando a vi em pé
na rua atrás de mim, vestida tão levemente nessa estação congelante. Ela está
olhando curiosa ao redor, como se houvesse perdido o próprio caminho, mas a
expressão em seu rosto é completamente vazia. Sua pele é de um branco macio e
radiante, como a neve. A pele ao redor de seus olhos é muito mais escura, num
tom de cinza ou preto. É como se fosse dotada de dois enormes olhos negros.
Apesar disso, ela ainda é linda. Normalmente, conversar
com ela faria eu me sentir nervoso, mas... hoje é diferente. Tem sido uma manhã
tão boa até agora; recebi uma ótima gorjeta na lanchonete, o trânsito
finalmente esteve bom, e todas as minhas músicas favoritas tocaram no rádio.
Hoje, sinto um lampejo de confiança.
“Com licença,” comecei, colocando as minhas sacolas no
chão. “Está com frio? Posso te oferecer o meu cachecol.”
Eu segurei meu cachecol à frente, sorrindo como um
idiota. Seguindo uma espécie de leitura corporal, seus olhos e rosto estavam
certamente voltados para mim, mas ela não respondia e nem mudava a sua
expressão. Dentro de seus olhos, eu não vi nada. Meu sorriso se esvaiu do meu
rosto.
Ela volta seus olhos para longe de mim, mudando
ligeiramente a sua pose como se desse de ombros, recusando a minha oferta. Eu
tentei dizer algo – um pedido de desculpas, talvez – mas as palavras estavam
presas na minha garganta. Então, encurvei os meus ombros e me virei para ir
embora, olhando-a por cima de meu ombro para vê-la mais uma última vez.
Ela sumiu, como se nunca houvesse estado lá. Quase
derrubei minhas sacolas do choque, e olhei ao redor freneticamente. Talvez ela
tivesse virado a esquina numa viela. Como se isso já não fosse o suficiente, eu
vejo algo fora do comum. Exatamente no ponto onde ela havia permanecido em pé,
algo tinha sido riscado na parede de tijolos. É difícil de ler, já que está
sujo de cimento, mas eu me aproximo e sigo as linhas cuidadosamente com os meus
olhos. Meu coração pula e meu estômago se contorce.
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