Já faz dias que estou trancada dentro de casa mesmo sabendo
que a morte será inevitável. Mas, a ideia de me entregar à morte de bom grado
simplesmente me apavora, embora eu já tenha perdido todos aqueles que amasse e
agora esteja sozinha num mundo sem ninguém.
Acho que esse foi o resultado de termos detonada a natureza.
Ela resolveu se vingar e se era para sucumbir resolveu levar tudo consigo. Não
posso deixar que ela me pegue. Não assim tão fácil. Eu apenas não quero morrer,
mesmo que não tenha me restado nada...
Quando tudo isso começou eu estava voltando para casa com
meus pais. Ao sairmos de casa, fazia um dia normal, ensolarado, bonito.
Enquanto voltávamos o céu se fechou em nuvens cinzentas. Ou pelo menos achei
que fossem nuvens. Não era. Tratava-se de uma neblina tão densa quanto fumaça.
Não muito comum, mas não haveria problema se fosse apenas isso. O que não era o
caso. Aquela neblina era tóxica como enxofre.
Bastou que ela descesse mais para o nível do solo que
começamos a sentir seus efeitos. Respirá-la enchia meus pulmões de veneno. E um
pequeno toque queimou meu ombro. Era de um frio tão gélido que queimava antes
mesmo de poder sentir o gelo.
Ao sentir seus efeitos tudo em que conseguia pensar foi em
salvar minha vida. Deixei meus pais para trás e voltei correndo em disparada
para casa, que felizmente não estava longe. Talvez se eu tivesse que percorrer
mais 10 metros eu não estaria aqui hoje.
Meus pais não foram rápidos o bastante e nunca voltaram para
casa. Eu tive queimaduras graves principalmente na região das omoplatas, ombros
e braços. Mas estou viva e com tudo intacto. Nada se congelou a ponto de se
partir e nem necrosou. Muitas pessoas não tiveram a mesma sorte que eu. Nos
primeiros dias só se falava disso na televisão, internet e até no rádio. A
misteriosa neblina congelante e uma estimativa de quantos mortos ela havia
tragado.
O misterioso fenômeno foi se espalhando rapidamente. De uma
cidade passou para todo um estado, depois afetou todo o país e foi se
expandindo para os países vizinhos até que nenhum lugar no mundo estava mais a
salvo. O governo deu ordem para que não deixássemos nossas casas, e quem seria
louco o bastante para desobedecer? O exército foi acionado, pesquisas começaram
a ser feitas, mas era impossível ir á campo. Mesmo com roupas especiais, a
névoa as penetrava queimando o individuo como se estivesse dentro de um forno.
Mesmo ficar dentro de carros, ou compartimentos de metal, era perigoso. Pois o
aço é um material gelado e somado aquela névoa era garantia de congelamento
entre minutos.
Mesmo ficar em casa se tornou perigoso, se entra um pouco
desta névoa já é capaz de causar algum estrago, por isso eu tapei tudo muito
bem para que nada entrasse, nem névoa, nem luz do sol, e quase nem ar.
Felizmente a névoa é muito mais densa do que o ar, então mesmo respirando com
dificuldade não morrerei sufocada ainda. E se for mesmo para morrer, antes sufocada,
com os pulsos ou a garganta cortada do que com esse fenômeno antinatural. Mas
ainda é cedo para pensar em morte...
Poucas semanas depois perdi completamente o contato com o
mundo exterior. Eu não sabia mais o que estava acontecendo. Todas as vias de
comunicação estavam fora de ar ou não davam mais notícias. Seja lá o que tenha
acontecido sei que não foi arranjar uma solução para o problema. Nem o governo
anunciou mais nada para tentar acalmar a população, se é que ainda havia uma
população...
Tentei fazer ligações via telefone, o único meio de comunicação
que ainda funciona já que funciona de maneira diferente, mas de todos os
números que conhecia, nenhum atendeu. Devem estar todos mortos. Tentei ligar
para números aleatórios, até mesmo em estados ou países diferentes. A maioria
também não atendia, mas, eu tive sorte, pois consegui me comunicar com algumas
pessoas e talvez tenha sido isso que não tenha me permitido que ficasse louca.
Já as pessoas com quem conversei por este tempo é outra história... Todas elas
estão mortas agora também. Ou por loucura, ou por não terem mais o que comer ou
beber, ou por não aguentar mais viver num mundo congelado, num mundo onde não é
mais mundo, num mundo onde não é mais habitado por pessoas.
Estou trancada dentro de casa há mais de 1 ano. Não sei mais
como é o mundo lá fora. Não sei mais nem como é minha própria aparência, se
ainda sou humana, se ainda sou mais viva do que morta. Nos momentos de
necessidade comi tudo que foi possível, comida vencida, caixas de papelão,
tecidos, tudo que pudesse ser mastigo. Ah, a fome com certeza é uma das piores
dores. Mas, a sede deve ser pior. Já faz quase uma semana que a água acabou,
mesmo que por todo esse tempo eu só a tenha usado para beber. Quando já não
havia nada mais de decente para se comer, matei meu cachorro. Não poderia
sustentá-lo de qualquer forma não tendo nem alimento para mim, porém, comê-lo
me pareceu errado. Não estou louca ainda. E me arrependo do que fiz. Queria
tanto ter uma companhia agora... Tudo que me restou foram estas paredes escuras
e, tendo meus olhos se acostumado à escuridão, escrevo meu relato nelas.
O fim está chegando, eu querendo ou não. Não quero morrer de
maneira nenhuma, mas, não seria melhor morrer enquanto ainda estou sã?
Se é para ser assim então quero ver uma última vez o mundo
ao meu redor...
Tiro as pesadas cortinas de frente da janela e começo o
trabalho vigoroso de arrancar as vigas de madeira que coloquei ali logo que o
fenômeno começou para que pudesse me proteger melhor. Minhas mãos estão tão
lisas e quebradiças como papel, de modo que a madeira a está castigando, mas
até isso bom. A expectativa de ver o mundo uma última vez por trás das vigas
que me mantiveram presa por tanto tempo é algo surreal.
E a paisagem refletida no vidro da janela é tão mais
surreal.
O mundo está tão lindo! Como pude manter meus olhos fechados
por tanto tempo? Não há luz do sol para ardê-los, a luz que consegue
ultrapassar as grossas nuvens chega suave formando um arco-íris. O mundo se
tornou um paraíso de gelo. As casas estão completamente congeladas como montes
de neve, ou cavernas de cristais. Existem animais, a névoa não os afetou tanto
quanto a nós, eles possuem tantos pelos que não dá para lhe descrever as
características. Existem árvores também, como se feitas de vidro pelo gelo que
as cobre. E a névoa... uma fina camada dela continua pairando no ar. Eu não
queria morrer. Mas acho que não será tão ruim perecer num mundo tão lindo
assim. Que a neve seja meu túmulo...
...
...
...
...
O ar frio arde em meus pulmões, mas não é venenoso como
pensei. A névoa se dispersou há muito tempo. Tudo que resta é um mundo novo e
vazio de gente. Ao ver meu reflexo no chão congelado vejo que me encaixo neste
mundo ártico, pois não existo mais como gente, eu sou a última sobrevivente.
Escrito por: Bruna Gonsalez
De: Ler Pode Ser Assustador
Que histótia! Gosto muito do tema pós - apocalíptico, e sua escrita me fez imergir e me imaginar no mesmo cenário em que estava a personagem... Parabéns pelo talento!
ResponderExcluirMuito obrigada! XD
ExcluirPor favor poste mais creepies pos apocalipticas! essa ficou muito massa!
ResponderExcluirObrigada pelo apoio, vamos ver se surgem mais, conforme a inspiração vem ;)
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