São cinco da manhã e eu estou acordado.
Sinto meu sangue fluir pelo meu corpo como água que corre pela tubulação. Estou acordado. Estou vivo, sim, e como estou.
Posso esticar meu pescoço em diferentes direções e ouvir a doce melodia de meus ossos estalando.
Que delícia...
Sofia canta. A voz dela caminha pelos corredores do abatedouro e faz a festa nas paredes. Sofia canta. Ouço o timbre de suas cordas vocais brincando com meus ouvidos. Sofia canta. Os anjos descem do céu e conversam comigo pela voz dela. Sofia canta. Sofia sempre cantou. Ouço os pés dela dançando. Como eu queria estar lá agora, rasgar-lhe a blusa, jogá-la na cama e transformá-la em neve. E então me banharia de carne e seríamos um novamente.
Quero Sofia. Vejo Sofia. Ouço Sofia. Respiro Sofia. Quero seu suor na minha língua. Grito seu nome em desespero. Ela canta o meu em resposta.
A garota enlouqueceu. Obrigado, senhor. Não sofrerá ao ver suas entranhas saindo do corpo e o facão desse sádico cortar-lhe a garganta.
Ouço quando ele a leva de sua cela. Ouço quando ele a destroça. Ela canta até o fim. Está cantando pela eternidade. Maldita voz da angelical loucura. Sei que ela morreu quando a cantoria cessou. Sua voz aliviou suas dores.
Adeus Sofia. Vai levar teus dotes vocais para serem apresentados no paraíso.
Ouço os passos do demônio subindo a s escadas. Aí vem ele. Chegou a minha vez.
Porém, ao contrário de Sofia, eu não sei cantar.
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