LOUISE
|| 17 de novembro de 2012 || 
Dezoito dias antes do desaparecimento de Meredith



Louise detestava dias chuvosos, tinha medo das trovoadas estrondosas e dos raios que cortavam o céu meio a meio em variadas ramificações luminosas. Desde pequena sempre tentou ser forte, mostrar coragem e pular da cama, vestir o uniforme sem chamar sua mãe, mesmo que seu maior desejo fosse permanecer escondida debaixo das cobertas. Nada poderá me deter dizia para si mesma em frente ao espelho, o coração quase deixando seu corpo. 
Fitou a janela, as gotas de chuva caindo delicadamente e desenhando formas que apenas ela poderia decifrar. Era como se o universo estivesse em uma conversa direcionada a ela. Balançou a cabeça e parou com os delírios matinais. Calçou as pantufas de coelho e agradeceu por estar segura em casa, onde Alyssa e as outras garotas não poderiam tirar sarro de suas vestimentas infantis. Para Louise não havia nada de errado com as roupas coloridas e ''fofas'', afinal, adolescência era uma transição, não? Adorava viver em seu próprio castelo, em seu mundo encantado. Pena que quando ia para escola a carruagem transformava-se em abóbora e a magia acabava num piscar de olhos. 
Desceu as escadas sem pressa, passando a mão nos corrimões e deixando que o metal gélido lhe fizesse arrepios. Foi até a cozinha, não parecia ter ninguém acordado, o que era estranho. Sua mãe geralmente era sempre a primeira a acordar, seguida de sua irmã mais nova e o pai. Ela sorriu, eram uma família feliz, apesar dos contras serem maiores do que os prós na maior parte do tempo. Liberdade. Louise almejava liberdade no mais profundo de seu ser, mas permanecia presa às correntes parentais no lar e presa às Rosas de Moulinville no colégio. Algumas vezes sentia falta de estudar em casa, apesar da melancolia rotineira, era bom sentir-se no comando das coisas, não havia ninguém para lhe apontar o dedo e dizer-lhe que era inútil ou burra. Se errasse uma questão, bastava simplesmente refazê-la até acertar. Estudar em casa era melhor do que o internato católico ao qual frequentou até osdoze. As cobranças eram extremas! E liberdade sem dúvida se tornava algo inexistente naqueles corredores amargos e fechados. Se ela se esforçasse um pouco mais com as memórias, poderia jurar que ter conhecido Alyssa tinha sido a melhor coisa de sua vida escolar. Aly parecia querer que a garota se enturmasse, parecia tentar encaixá-la, entendê-la. Se interessava por Louise. Podia afirmar que Alyssa, a líder das Rosas de Moulinville era a amiga mais próxima que teve em toda a sua vida. Amigas também tiram sarro uma da outra, não é? As vezes era engraçado. 
Atirou-se na cadeira de madeira e vasculhou a sacola de papel. Lá estava: um pão quentinho com um aroma delicioso, macio, crocante. Colocou-o na boca antes mesmo de passar manteiga, negando o costume diário. Em seguida, o resto da família juntou-se a mesa. Maureen puxou a cadeira perto à Louise, com um sorriso de ponta a ponta, feliz em ver a irmã. Louise deu-lhe um beijo no rosto e sussurrou ''bom dia''. Maureen tinha seis anos e uma maturidade que era incrivelmente aguçada para sua idade. Podia sentir o futuro brilhante da irmã caçula como uma estrela distante, porém radiante. Diferente de seu respectivo. Era impossível visualizar algum futuro para si mesma, não fazia ideia do que escolher como profissão, queria ter talento, um dom, uma dádiva. Quando pequena questionava aos pais e ao próprio Deus. Por que ele não lhe dera nenhuma coisa da qual poderia orgulhar-se e trazer orgulho para a família? Uma vez sua mãe lhe obrigara a fazer aulas de piano, mas Louise não tinha nenhum jeito, mesmo com um professor caríssimo e de ponta. Em pouco tempo, desistiram da ideia de carreira musical. Para não entrar em depressão ou voltar a ter crises de ansiedade frequentes, ela simplesmente evitava pensar no futuro. Tenho apenas dezesseis, há um mundo inteiro a ser descoberto por mim. De fato, tinha. 
- Por que não chama suas novas amigas para irem na igreja conosco hoje à noite? - perguntou o pai enquanto virava uma xicara de café inteira. 
Antes que Louise pudesse responder, a mãe falou por ela.
- Querido, é noite de sábado. As meninas vão querer se divertir. -lançou uma piscadela à Louise que riu. Pensou no convite que Meredith havia feito por mensagem na noite passada. ''Vamos numa festa na casa do Peter. Esteja pronta às sete''. ''Meus pais nunca vão deixar!'' replicou Louise. ''Diga a eles que vamos rezar -e um emoji do diabinho-''. 
- Os cultos são divertidos! Louise adora os louvores. -encarou a filha com a sobrancelha arqueada. - Não é? 
Louise balançou a cabeça e olhou para baixo, para os pés que balançavam rapidamente na cadeira. Seu pai nunca permitiria que a menina fosse para uma festa na casa de um menino desconhecido. Talvez nem se fosse um garoto conhecido. Festas de adolescentes tem bebidas e pessoas pulando sem roupa na piscina. Orgias, fornicações. Era o que ele dizia. Entretanto, Louise precisava ir. Era questão de liberdade e não de apenas enturmar-se. Queria descobrir coisas novas, saber o que era certo e errado por si só e não pelo que um livro antigo falava! E afinal, Deus não lhe tinha dado o livre arbítrio para fazer as próprias escolhas? Apenas desejava que o pai compreendesse. 
Uma chama ardente dentro de seu peito despertou. Uma força que parecia ser maior do que a gravidade, mas puxava-lhe para fora, atirava-lhe ao mundo. Ergueu a cabeça e fixou os olhos nos olhos do pai. 
- Na verdade vai ter um culto de jovens na casa da Meredith. Posso ir? - e decidiu mentir descaradamente como uma menina má. Má. Malvada, a pior filha do mundo, porém livre
- Os pais de Meredith frequentam a igreja? - indagou o pai desconfiado. Os pés de Louise batiam cada vez mais depressa.
- Pode sim! - disse a mãe. - Hoje em dia eles mesmos podem criar sua igreja em casa, querido! -deu uma risadinha. Segurou a mão de Louise firmemente, como se dissesse ''Eu estou confiando em você, não me desaponte''. - Deus mesmo disse. ''Onde dois ou mais se reúnem em meu nome, ali estou presente''. 
O pai de Louise deu de ombros, aceitando sua derrota. 
- Que assim seja!


Seus instintos lhe pareciam nublados naquela noite, embaçados. Um mau pressentimento preenchia cada espaço vazio do corpo, da nuca até a ponta dos pés. Louise não costumava mentir para o pai e sentia um medo profundo, medo de que ele descobrisse e perdesse a confiança nela, ou pior: a castigasse e a afastasse de suas novas amigas. Todavia, não era permitido ''amarelar'', não se ela quisesse mesmo se enturmar. Fechou os olhos e tentou pensar positivo, a mente vagando em direções distintas das quais ela desconhecia. O subconsciente ainda berrava dentro de si, mas a cada dose de tequila a consciência ficava mais e mais lenta e adormecida. Tudo o que escutava eram urros de estudantes tão embriagados quanto ela ''mais um, mais um''. 
As pálpebras se moviam em sincronia com o piscar das luzes do globo espelhado. A fumaça dispersa impedia ainda mais a visão. Era possível ver apenas silhuetas, sombras estranhas balançando e esfregando seus corpos uns nos outros ao som da batida eletrônica. 
O peso de seu próprio corpo começou a se mostrar insustentável. As pernas tremiam, implorando que Louise se sentasse. Depositou as mãos na cabeça e perdeu o equilíbrio de repente. Alguém segurou-a forte por trás. A fragrância amadeirada adentrou em suas narinas e ela se virou para encarar quem quer que fosse.
E lá estava ele. Josh, as mãos dele em suas curvas e os olhos esverdeados fitando-a. Louise estremeceu em seus braços. Desejava afastar-se, porém sentia-se extremamente fraca e cansada. Acabou por permanecer ali por mais tempo do que era realmente necessário. Encostou o rosto em seu peito e escutou o coração dele, a sinfonia perfeita. Nunca estivera tão próxima de um garoto antes, então aproveitou os segundos, os minutos, agarrada em seus pensamentos e em Josh. As mãos dela pousaram no pescoço dele e ele sorriu. 
- Eu acho melhor irmos lá para cima antes que você desmaie aqui. - ele riu e entrelaçou as mãos dela nas dele. Pôde sentir o calor da pele dele esquentando-a, somente com aquele toque singelo. Todas as partes mais carnais de si almejavam intensamente ir com Josh, mas seu subconsciente se esforçava ao máximo para lhe fazer lembrar do motivo de aquilo tudo ser errado. Algo não se encaixava. Não fazia sentido. Por que é que ele estava sendo tão legal com ela? Recordou-se do dia anterior na sala de aula, das piadas românticas, dos flertes e das brincadeiras com seus fios rebeldes. Balançou a cabeça. Não. Impossível, Josh era namorado de Meredith, estava tentando ser gentil, agradável com a amiga da namorada, não é? 
Louise recuperou as forças e o empurrou para longe. O coração batendo a mil dentro do peito, quase escapando pela boca. Josh arqueou as sobrancelhas.
- Qual o seu problema?! -agora ele parecia mais amargo... menos heroico do que antes. Qual era o problema dele
Antes que ela conseguisse responder, ele pegou-a com força pelo braço direito e a trouxe novamente para os braços dele. Forçando-o contra ela. Louise soltou um gritinho de dor. Tinha certeza de que o puxão deixaria marcas.
- Você precisa de ajuda, está maluca.
Louise estava cada vez mais confusa. O desespero tomou conta de si e ela começou a tentar sair do aperto daqueles braços pesados. Empurrando-o, mas sem sucesso. Seus olhos percorreram - ou tentaram - o salão por completo, à procura de uma de suas amigas até que encontrou Kate. Kate fitou-a inexpressiva e deu de ombros, virou-se para o lado e continuou um diálogo interminável com um cara qualquer. Droga! pensou. A cabeça começou a latejar, ardendo-lhe a alma. 
- P-por.. favor.. - sussurrou enquanto era carregada por um corredor estranho. Tentava se mexer inutilmente, parecia que seu cérebro era incapaz de exercer qualquer controle sobre as outras partes do corpo. 
Houve um apagão, um formigamento intenso. Sabia que ele estava em cima dela, prendendo-lhe os pulsos. Podia sentir a respiração ofegante ao mesmo tempo em que tentava tirar-lhe a calça jeans. Deixou que as lágrimas escorressem. 
As memórias turvas de passos entrando no quarto, um estrondo ensurdecedor ressoando dentro do quarto escuro. Quando levantou-se, viu Josh atirado no chão com o nariz sangrando e Meredith com um abajur quebrado nas mãos. Completamente pálida.










Escrito por: Carla Gabriela
De: LPSA



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