[O capítulo final de O Portador da Libertação.]


***


“Por que a neve cai?”
“Ela neva para mascarar Sua eterna tristeza.”

“Por que o rio flui?”
“Ele flui para carregar aqueles que morreram pacificamente aos seus lugares de descanso final.”

“Por que o Pêndulo balança?”
“Ele balança por cada alma perdida que viu sua libertação final. Permita-me lhe contar sua história.”

O inverno foi embora com os meses, e chegamos àquele delicado tempo do ano quando a neve finalmente para de cair, mas a chuva do início da primavera ainda não veio. As ruas de Manhattan estavam nuas, e a cor estava apenas começando a retornar até mesmo para essa selva de concreto. Vermelhos e verdes estavam começando a se destacar mais, agora que as garras ferozes de Janeiro e de Fevereiro tinham ido embora.

O único ponto onde a cor se recusava a voltar era na figura de uma mulher branca parada na rua sob um complexo de apartamentos. A mensagem talhada na parede de tijolos atrás dela tinha se desgastado. O apartamento logo acima, que pertencera a um jovem homem tolo, havia sido limpo. Os novos inquilinos já tinham se mudado.

Conforme o mundo continuara a se mover, ela aguardou. Enquanto ela esperasse, ele viria. Horas se tornaram dias, que se tornaram semanas. Até que finalmente, o dia em que sua paciência foi recompensada chegara.

Um jovem a abordou, também vestido com uma túnica branca, similar à dela. O tolo por si só já não mais existia. O homem que se prostrou diante dela era o Portador da Libertação, e nada mais. Mesmo que ele pareça a mesma pessoa de antes, seus olhos não mostravam ingenuidade e nem compaixão, mas apenas um toque do que ele guardava em seu coração. Um conhecimento sem limites, e um medo indeterminado.

“Você é o Portador da Libertação?” ela perguntou, ecoando as palavras anteriormente ditas para ela por Jules Quincy.

Ele respondeu em seguida, “A Libertação só é realizada para aqueles que assim a mereceram.”

Ele não a conduziu até o rio, como ela o teria feito nessa situação. Ao invés disso, ele assentiu com a cabeça e retirou o Pêndulo diretamente de seu bolso.

“Você veio por isso, não foi?”

Ela hesitou, antes de estender suas mãos como um pedinte. “Apenas quero ter certeza.”

Libertação a observou de cima a baixo impassivelmente, e num ato jamais mencionado anteriormente por Seekers, o Portador colocou o Objeto na palma de suas mãos delicadamente, a corrente prateada se enrolando ao redor do pingente em formato de diamante.

Ele esperou, observando-a com atenção. Por um momento, uma faísca de desejo brilhou nos olhos dela, e seus dedos se fecharam ao redor do Objeto, envolvendo-o. Então, ela fechou os olhos e deu um longo suspiro. Ela apertou fortemente o Pêndulo em sua mão antes de entregá-lo de volta para a Libertação.

Se ele ainda fosse o mesmo garoto, ele teria agradecido a ela, ou lhe desejado o melhor. Ao invés disso, Libertação meramente balançou sua cabeça com uma expressão estranha em seu rosto. Uma que ela não conseguia ler. Era o rosto de um Portador, a face de um mundo do qual ela havia sido liberta.

“Você não irá mais me encontrar aqui.”

“Não,” ela disse com firmeza, “não irei.”

O Portador da Libertação se aproximou da parede e fez abrir a cicatriz negra. Água oleosa, preta, verteu da base do corte e cruzou o chão, manchando o concreto. Sem olhar uma segunda vez para a mulher, o homem pisou dentro da cicatriz, deixando-a fechar rapidamente atrás de si. A parede estava ilesa, sem marcas, e no instante seguinte, a água preta já tinha desaparecido.

Ela não sabia para onde devia ir agora, mas não se sentia mais tão perdida. Antes, apenas o Pêndulo importava para ela. Agora, havia tudo. Embora o mundo estivesse retornando às cores, ela permaneceu como uma mancha branca, uma lembrança do inverno que havia passado.

“Isso nem sempre segue a fórmula.”


Traduzido por: Milena
Original: The Holders

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