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Procurando...
Arquivo encontrado.
Data: 01-Aug-08
Autor: J. Quincy
Este mundo
sombrio está cheio de perguntas. De onde vêm os Objetos? Por que eles existem?
Por que devemos procurar por eles? O que acontece com os Portadores quando seu Objetos
são pegos? Não sabemos as respostas para essas questões. Seekers vivem em um
mundo escuro e desconhecido, e nosso único conforto é o nosso hobby.
Embora eles
possam ser encontrados em qualquer lugar, um surpreendente número de Portadores
pode ser encontrado em instituições de saúde mental. Frequentemente somos
perguntados, “Por que esses lugares?”. Porque é onde eles se sentem mais em
casa. É onde iremos todos terminar, afinal de contas.
Dou
um passo para frente, mas o sorriso do Bibliotecário repentinamente some. Ele bloqueia
minha passagem com uma mão espalmada em minha direção e me dá um olhar de
urgência.
“Você tem um
Objeto, não tem?”
A
pergunta me assusta um pouco, mas eu me recupero rapidamente. “Sim.”
“Então
por favor, deixe-o aí fora.”
“Por
quê?”
“Explicarei
o porquê quando entrarmos.”
Retiro
o cartucho de dentro do meu bolso e o seguro em minha mão. Ele parece latejar
ao toque; ainda está quente do momento em que o descarreguei. Com ternura,
fecho os meus dedos ao seu redor.
“Por
quê?” Eu pergunto outra vez, mais enfático.
Ele
direciona o seu olhar para mim através de seus óculos. “Porque ele me coloca em
perigo.”
A
afirmação dura é dita de mau humor e me pega de surpresa. Dando mais uma olhada
no cartucho em minha mão, a única coisa da qual consigo me lembrar agora é o
terror estampado no rosto de Thompson antes de o deixar.
Num
súbito momento de clareza eu decido ignorar a voz, apenas nesta única vez. O
cartucho emite um suave tink ao
atingir o degrau onde meu pé estava e ele sorri novamente, gesticulando para
que eu entre. O interior da casa do Bibliotecário é mais ou menos como eu
imaginava. É escuro e bagunçado, e cada cômodo está apilhado de livros e
papeis.
“Perdão
pela bagunça.” O Bibliotecário me leva até o seu escritório, o quarto mais
bagunçado da casa. Abrimos nosso caminho por entre as estantes e pilhas de
livros até chegarmos à sua mesa. A maioria dos livros está coberta por uma
grossa camada de poeira, fazendo com que eles pareçam antigos.
“Chiclete?”
ele pergunta, oferecendo um pacote.
“Não,
obrigado.” É difícil manter meu rosto fechado numa carranca, ele não sabe que
eu não consigo sentir o gosto de nada.
Ele
é tão amigável que quase chega a ser incômodo. Os Seekers que eu conheço hoje
são pessoas paranoicas que evitam contato social, fazendo com que o
Bibliotecário seja o mais diferenciado que já conheci.
“Como
soube que eu viria?”
“Sua
busca incessante é inteiramente notável” ele diz, como se constatasse o óbvio. “Tenho
observado a sua procura já há um tempo agora, e poderia garantir que qualquer
Seeker que conheça a Branca de Neve também sabe sobre você. Thompson foi quem
comentou sobre mim com você, não foi? Não sei se você já soube, mas ele cometeu
suicídio logo depois de terem se encontrado. Enforcou-se no armário.”
Resmungo
um pouco por causa da maneira fria que ele fala a respeito. Lembro que a
maioria dos Seekers não gosta do Bibliotecário por alguma razão. Eles o chamam
de aspirante a Seeker. “É isso o que você faz? Apenas observa e pesquisa? Você
não tem nenhum Objeto seu, tem?”
“Não.
Eu tento me manter o mais distante possível deles. Seekers são como
toxicômanos, sempre consumidos pelo desejo de continuar procurando. Então, eu
os mantenho longe de mim o máximo possível. Não perderei minha sanidade.”
Ele diz isso de um jeito tão simples, tão infantil. “Então,
por que você pesquisa sobre eles?”
“Assim como você, eu não escolhi descobrir sobre os Portadores
e Seekers. Ainda assim é um mundo interessante, repleto de conhecimentos obscuros.
Tentador para qualquer um com um gosto pelo desconhecido, certo? Quero ajudar
os Seekers a encontrarem as suas respostas, mas eu preferiria passar o resto da
minha vida sem nunca portar um objeto outra vez.”
“Então você já teve um no passado?”
Ele olha para mim com uma expressão aborrecida em
seu rosto. É, eu pisei no calo dele. “Talvez as suas perguntas sejam melhor
direcionadas para o tema da Branca de Neve?” Ele me dá as costas e começa a mexer
num amontoado de papeis em sua mesa, bufando levemente. Agora, não há nada que
eu possa fazer além de procurar pela verdade.
“Ela é humana? É uma Seeker?”
“Chamá-la de humana chega a ser compassivo. Agora se
ela é uma Seeker ou não, é algo que ainda está aberto para discussão.”
“O que você pode me dizer sobre o Pêndulo?”
Ele puxa um pedaço de papel e o segura em minha
direção. É uma página rasgada de um caderno novo, escrita num português claro e
conciso.
“É o que fui capaz de encontrar sobre as instruções
para se conseguir receber o Pêndulo de seu Portador.”
“Ótimo,” eu digo, pegando-o e guardando-o em meu
bolso. “Mais uma coisa, então. Já que você tem pesquisado sobre o pêndulo, deve
saber onde ele se encontra agora.”
Nesse ponto, o
Bibliotecário parece se distanciar. Seu sorriso desaparece como uma lâmpada sendo
apagada, e ele evita olhar nos meus olhos. “É sua própria culpa, você sabe, que
esteja envolvido nisso. Não há mais como volta.”
“Eu sei!” Grito com impaciência.
Minha voz preenche a sala e faz o Bibliotecário se encolher. Abaixo meu tom,
mas sou direto com ele. Não o deixarei escapar. “Sei que é uma rua sem saída,
só me diga para onde ir. Preciso saber
onde ele está.”
Uma expressão de
resignação cresce em seu rosto com a clareza de minhas palavras, até que ele
finalmente desiste. “Está aqui, em Boston. Um colega meu o tem agora, é Allen
Dahl.”
Ele me oferece um
cartão com o endereço, e o guardo em meu bolso.
“Há mais algo que
queira me perguntar?” ele questiona.
Encaro-o por um longo
tempo, longo o suficiente para ele começar a se sentir desconfortável. Só
depois disso é que começo a falar.
“Por que os Seekers
precisam dos Objetos?”
Seus olhos se abrem em surpresa,
mas ele ri da minha pergunta.
“Ótima pergunta! Já
perdi a conta de quantas vezes já ouvi isso. Mas o conhecimento não pode ser
completamente conhecido por nenhuma pessoa ainda sã. Só os Portadores sabem.”
“É tudo de que preciso”,
digo com um sorriso afetado.
“Então é melhor você se
apressar se quiser chegar lá antes da Branca de Neve.”
O Bibliotecário me
segue enquanto caminho até a porta e de volta para o meu carro. Ele observa eu
me afastar da casa, cantando os pneus. Depois que sumi de vista, ele dá um
suspiro audível e retorna para a soleira de sua casa quando seu pé chuta algo
pequeno. Ele olha para baixo, e vê o cartucho que ainda repousa sobre o chão.
Um sussurro fraco o
chama.
Traduzido por: Milena
Original: The Holders
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