[Um capítulo de O Portador da Libertação.]





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Arquivo encontrado.

Data: 3-Fev-08
Autor: J. Quincy

"Você não seria capaz de identificar um Objeto apenas olhando-o. Eles podem ser qualquer coisa, desde uma espada até um percevejo. O problema está em consegui-los. Uma vez dentro do mundo dos Portadores, sua vida se torna um jogo justo. O tamanho do horror que eles podem fazer a você não tem como sequer ser descrito. Entretanto, é importante lembrar que isso nem sempre segue a fórmula."

"Alguns Portadores nunca lhe darão a chance de ganhar o seu prêmio. Alguns Objetos não podem ser tocados. Alguns Seekers não podem ser chamados exatamente de humanos. Há exceções para todas as regras."

***

Quanto mais eu leio sobre os Seekers, mais eu começo a entender o porquê de o homem de antes estar sério. Eles estão todos desvairados, de certa maneira. Fora de si. O que de início eu interpretei por introversão era muito mais do que isso. Eles estavam obcecados sobre o Seeking, e completamente imprevisíveis. Dificilmente confiavam um no outro, constantemente mentiam, e eram muito mais traiçoeiros do que generosos.

Ainda assim, isso nem era tão chocante quanto a taxa de atividade dos Seekers nesse site. Alguns deles seriam regulares por meses, antes de desaparecer repentinamente dias depois de supostamente terem conseguido um Objeto. Se a pessoa era popular, o desaparecimento às vezes seria discutido; do contrário, seriam tratados como se nunca houvessem existido em primeiro lugar. A constante desaparição de Seekers aqui só podia ser equiparada à chegada de novos curiosos.

Os Seekers arriscam suas vidas pelos Objetos. Por que eles colocariam a si mesmos em tamanho perigo?

Estou dirigindo para encontrar um Seeker no Central Park. Ele se identifica apenas por Thompson, e disse que poderia me ajudar a encontrar a mulher conhecida por “Branca de Neve”.

Chego ao parque pouco tempo antes do sol se pôr, saindo de meu carro com cuidado e examinando os meus arredores. Não consigo ver ninguém daqui, a não ser por algumas mulheres levando seus cachorros para passear. O silêncio aqui me deixa apreensivo; os maneirismos do homem ao telefone eram assustadores o suficiente para me fazerem ter cuidado.

Enquanto faço meu caminho para dentro do parque, localizo uma sombra sentada num banco. De alguma maneira, eu sei que essa é a pessoa certa; o arrepio que sobe pela minha espinha me lembra da ligação ao telefone.

“Thompson” eu pergunto, aproximando-me cautelosamente.

Ao invés de confirmar, ele olha para cima e pergunta. “Você é o Eric?”

Eu aceno com a cabeça. Ele endireita a sua postura. “Pergunte-me o que sei sobre Branca de Neve.”

Sou pego com a guarda um pouco baixa. Mas que coisa estranha de se perguntar. “O-O que você sabe sobre Branca de Neve?”

“Eu sou aquele que ela estava seguindo na última semana” ele começa, como um contador de histórias.

“Ela me seguiu no trabalho, na escola. Ela ficava lá fora e me encarava pela janela. Ela tentou se aproximar de mim, e eu corri. Eu não sabia o que ela queria. Ela me seguia por todo lugar.”

Eu o escuto, ainda confuso. Ele está muito calmo – meio calmo demais –, mas há um ar de desconforto pairando sobre ele. Ainda que ele não demonstrasse emoções, é como se houvesse uma energia perigosa pulsando logo abaixo da superfície.

Eu perguntei ao redor, conversei com uns poucos Seekers. Eu descobri alguns outros que tinham sido seguidos pela Branca de Neve. Um deles, o mais recente, foi um cara que me deu o Pêndulo. Logo depois de dá-lo para mim, ela parou de segui-lo e passou a me seguir. E a mesma coisa tinha acontecido com a pessoa que havia lhe dado o Pêndulo. Então, eu dei o meu para outro Seeker. Ela parou de me seguir. Pergunte-me sobre o Pêndulo.”

Eu hesito por um momento. A maneira calma com que ele fala faz eu me sentir ainda mais apreensivo. “O que é o Pêndulo?”

“Um Objeto. Não conseguiríamos encontrar muitas histórias sobre ele. Não sabemos nem de qual Portador o primeiro cara conseguiu pegar.”

Os Objetos de novo? O que ela tem a ver com eles, afinal de contas?

“Então, por que--”

“Pergunte-me por que a Branca de Neve estaria seguindo os Seekers que possuem o Pêndulo.”

Thompson está começando a me incomodar. Eu cerro um pouco os meus punhos para fazer com que a sensação passe. “Por que a mulher estaria seguindo os Seekers que têm o Pêndulo?”

“Vai saber.”

Eu sinto como se estivesse pronto para socá-lo, ou para fugir, mas nenhuma vontade se sobressai à outra. Estou tendo dificuldade em me controlar, mas permito que ele continue.

Thompson continua, “Eu o dei logo quando percebi que ela estava atrás disso. Não contei a ele sobre a Branca de Neve. Queremos manter isso em segredo, assim sempre teremos alguém para quem dar e nos desfazermos dele. Pergunte-me sobre como você pode encontrar o Pêndulo.”

Meus nervos já tiveram o suficiente. “Poderia parar com isso?”

Seu pé voa em direção ao meu tornozelo e o acerta com um estalo. Com um grito estridente, eu desabo no chão enquanto agarro o meu tornozelo, e Thompson pisa no meu pescoço. O olhar feroz em seu rosto o deixa semelhante a um cachorro selvagem a ponto de espumar pela boca.

“Não me diga o que fazer, seu pirralho”

Eu luto contra a bota, mas meus esforços são inúteis. Estou sozinho com ele aqui, e não importa o quanto eu tente gritar, consigo apenas emitir fracos ruídos.

De repente, ele ergue o seu pé e eu me contorço, tossindo e segurando o meu pescoço. Quando o olho, vejo algo incrível. Como seu rosto ficou tão manchado de lágrimas em tão pouco tempo? Ele volta a se sentar no banco, e coloca a cabeça entre as mãos. Está chorando como se houvesse acabado de perder um membro de sua família.

Depois de alguns minutos de silêncio, ele levanta a cabeça e me observa com olhos vermelhos.
“Não posso te ajudar mais. Procure pelo Bibliotecário. Se alguém sabe sobre o Pêndulo mais do que qualquer outra pessoa, é ele. Ele sabe mais sobre os Objetos do que a maioria de nós.”

Ainda esfregando o meu pescoço, a única coisa que ainda me prende aqui é uma única questão que insiste em martelar minha mente.

“Eles de fato são reais?”

Ele olha para mim com uma amarga carranca de ódio.

“Fale-me sobre os seus sonhos,” ele rosna.

“O que você quer dizer?” Eu digo, sendo pego de surpresa.

“O que você quer fazer da vida?”

Eu trinco meu maxilar, e por razões que não posso explicar eu subitamente sinto um mal-estar no estômago.

“Quero ser ator.”

Ele ri com amargura. “Eu queria ser um fazendeiro. Um fazendeiro! Mas não há futuro para um Seeker. Assim que você começa a buscar, isso te consome. Você passa a fazer isso pela vida. Todo e qualquer sonho que você tenha é engolido. Devorado pelos Objetos. Até que você morra.



Traduzido por: Milena
Original: The Holders

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