Júlio Kiwonovit estava apostando um racha e totalmente embriagado naquela noite trágica do dia 07/09/2000. Seu carro quase colidiu no ônibus 608 que levava 8 passageiros. Ao desviar, raspando no carro do magnata, o coletivo capotou e todos os passageiros mais o motorista morreram. Júlio ficou apenas com alguns arranhões. Seus montantes de dinheiro lhe permitiram contratar um ótimo advogado e ele acabou inocentado da pena de crime doloso, que com certeza teria pego se não dispusesse deste recurso. Acabou só perdendo a carteira.

Dia 07/09/2008, exatamente 8 anos após o acidente, Júlio estava em uma cidade do interior a passeio, fora levado lá por um motorista particular que contratara, e precisava estar na capital na manhã de segunda-feira para resolver negócios de última hora da empresa. Era noite, domingo, e ainda era feriado, o motorista que lhe trouxe não aceitava ir buscá-lo, mesmo com a quantia aumentada que Júlio ofereceu; na cidade não havia outros motoristas particulares e nem mesmo táxis disponíveis. Até cogitou infringir mais uma vez a lei e dirigir sem carteira, mas se lembrou que seu advogado lhe disse que seria um trabalho hercúleo inocentá-lo novamente; preferiu pegar um ônibus.

Comprou a passagem, que notou ter vindo com um erro de impressão, marcava que o ano era 2000 ao invés de 2008. Chegou a rodoviária de noite as luzes estavam acesas mas não se via ninguém, encontrou seu ônibus, estava na única plataforma ocupada, afinal era a última viagem do dia, o veículo tinha o número 608, sim, era o mesmo número do ônibus no qual ele bateu, número que ouviu tantas vezes no seu julgamento, a coincidência que lhe provocou calafrios, mas ele logo esqueceu.

De início ficava incomodado com a possibilidade de lhe roubarem no ônibus e ficou com a luz ligada, por fim relaxou ouvindo seu iPhone e acabou adormecendo. Acordou um bom tempo depois, a música tinha parado de tocar, as luzes do ônibus estavam todas apagadas, mas a luz da cabine do motorista iluminava as poltronas e assim podia ver que todos os passageiros já haviam descido em partes do percurso enquanto ele dormia. Pelo jeito ele seria o único que iria descer no destino final, tomando conta disso logo apalpou seus pertences e notou aliviado que estava tudo lá. Olhou pela janela e estava tudo um breu, só então percebeu o frio que fazia, um frio estranho, extremamente seco. Seu iPhone estava sem bateria então resolveu ler o livro que trouxe, apalpou o teto procurando o botão para acender luz apertou mas não funcionou. Insistiu sem resultado. Então se deu conta de que o cenário era um tanto assustador e resolveu conversar com o motorista como forma de aliviar o clima sombriamente mudo e solitário:

– O senhor trabalha há quanto tempo como motorista?

– Faz 8 anos ... que espero – respondeu o senhor de quepe e parecia se esforçar para que o som saísse.

Júlio achou aquela resposta muito esquisita, e ficou um tempo calado. Ao olhar pelo para-brisa, notou que nem dava para ver a estrada com aquele breu; a luz do farol parecia ser engolida pela escuridão. Cada vez a a viagem ficava mais tenebrosa. Engoliu a seco e disse:

– Quanto tempo o senhor acha que falta para chegarmos ao destino?

– Graças a você, perdemos o destino há muito tempo. Não há destino, não há chegada. Te esperamos por anos, e agora que, você, o último passageiro está a bordo, podemos seguir com a tenebrosa viagem que nunca terá fim. Olhe para trás, note que os outros passageiros estavam ansiosos por sua vinda. A voz ainda saía com dificuldade como se estivesse morrendo, mas dessa vez tinha um tom assustador, uma mistura de sarcasmo e rancor.

O corpo de Júlio tremia todo, pensando que as coincidências não eram mesmo só isso. E ainda que tomado de pavor criou coragem de olhar para trás... Não havia ninguém – que brincadeira seria aquela!? -, só que, de repente, simplesmente surgiram pessoas nos assentos, – no estado de pavor que se encontrava Júlio não conseguiria contar, mas haviam 8 passageiros fantasmagóricos. Reconheceu alguns rostos exibidos no noticiário que anunciou os mortos no acidente de 7 de Setembro do ano 2000, guardara os rostos pois tivera pesadelos com isso – nenhum que se comparasse ao que vivia agora. Lembrava em especial do rosto de uma menina de 7 anos que na foto tinha um sorriso doce, o único rosto que lhe evocava certo remorso. Em sua transfiguração fantasmagórica a garota também tinha um sorriso, mas o tom era, completamente oposto, ameaçador, tanto quanto eram os rostos dos outros passageiros. A cabeça do motorista deu um giro de 180º revelando um rosto totalmente ensanguentado, igualmente fantasmagórico e maléfico, e ele anunciou:



– Esta é a viagem sem fim do 608, Auto Viação Terror!



Escrito por: Cayyan C. Menezes
Adaptado por: Camila Cruz
De: Ler Pode Ser Assustador



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