Em algum lugar, 8:54 da noite

Véspera de Natal, um dia chuvoso. Laila está deitada, de pijamas. Após um dia exaustivo no seu serviço, que condizia basicamente em amarrar fitas nos embrulhos dos presentes de Natal que estava se aproximando, ela havia chegado em casa e, após as tarefas domésticas, como lavar a roupa e a louça do meio-dia, ela tomou um bom banho e resolveu relaxar continuando a leitura de um livro de ficção que ganhou no seu aniversário, meses atrás.

Laila não se preocupava em morar sozinha. Pelo contrário, preferia. Dava a tranquilidade pra ela ler e fazer sua meditação nos finais de semana. Seu apartamento, pequeno, com apenas um quarto e um banheiro, era muito mais do que suficiente para ela. Laila estava satisfeita com sua casa.

Geralmente, aos sábados, Laila resolvia sair. Tomava banho, perfumava-se, usava um vestido vermelho ou preto, mas não muito chamativo. Sua pele morena e seu cabelo encaracolado, ainda que meio rebelde, já chamavam atenção demais. Laila, assim como qualquer pessoa, tinha seus pontos fortes, e aqueles eram os delas. Uma beleza escondida mesclada com uma tranquilidade pacífica e gentil.

E mesmo que seus passeios noturnos com suas amigas fossem algo que fugia da zona de conforto dela, ela gostava. Gostava de rir, de se divertir, mas gostava ainda mais de proteger. Um sentimento de proteção materno, apesar de nunca ter tido filhos e nem mesmo ter cogitado essa hipótese.

Foi por esse sentimento que ela tomou as dores de Carol, logo após o término dela com o Matheus.

Os dois viviam brigando. Os dois se combinavam em muita coisa, e talvez isso os torna-se tão instáveis. O fato é que para toda briga, Laila estava lá, do lado de sua amiga, apoiando. Ela sentia-se um pouco usada toda vez que a Carol e o Matheus reatavam, mas ela não podia evitar.

As brigas eram tão frequentes que naquela noite, quando seu celular tocou, avisando que era a Carol, ela já imaginou o que seria:

- O que ele fez Carol? - Laila atendeu o telefone, falando suavemente.

- Amiga, aconteceu algo terrível!

--//--

Carro de Laila, 9:10 da noite

- Calma amiga, ainda é muita informação pra mim! Tem certeza disso? - Laila falava, seu telefone no viva voz, enquanto ela dirigia.

Laila ainda vestia pijamas. Quando sua amiga, com a voz cansada e chorosa, começou a falar o que havia acontecido, ela quase não acreditou.

Carol e Matheus haviam saído para se divertir um pouco. Mesmo na chuva, quem quer diversão sabe onde encontrar. E eles encontraram numa festa nos subúrbios das cidade. Lá, Carol disse que viu seu namorado comprando algumas drogas."Sabe como é, pra tirar o estresse", ele disse. Ela foi na onda. Já havia tomado outras coisas antes, mas nada como aquilo. Foi incrível. Mas tinha um efeito muito rápido, e assim que Matheus foi pegar mais, ele logo voltou dizendo que lá não iam conseguir mais nada e que eram pra eles saírem. Apesar da festa estar muito boa, e ela achar estranho o jeito do Matheus estar agindo, Carol não disse nada durante a viagem. Só foi falar quando pararam na frente do cemitério municipal. "Por que estamos aqui?", perguntou. "Vamos conseguir mais daquela droga, o playboy na festa me disse que eles vendem por aqui". 

Sobre os protestos dela, ele saiu do carro sem nem mesmo pegar o guarda-chuva e entrou no cemitério. Carol não queria ficar sozinha lá no carro e foi em busca do Matheus logo em seguida. A chuva continuava, apesar de não tão forte, e relâmpagos iluminavam o céu e deixava tudo mais claro, inclusive o mal-iluminado cemitério. Carol caminhou um pouco, em ver nada nem ninguém, apenas túmulos e mais túmulos, quando avistou Matheus.

 Ele estava de costas, parado, olhando para o nada. Seus braços estava caídos, e ele parecia não se importar com a chuva. "Vamos embora Matheus, esse lugar me dá medo!" Carol gritou, mas não obteve resposta. Então, hesitante, se aproximou um pouco mais. "Matheus, está me ouvindo?" Então, ele foi se virando lentamente, mostrando uma face sem rosto. Carol levou as mãos a boca, deixando cair seu guarda-chuva. Mas foi só quando várias pessoas, todas sem rosto, apareceram entre os túmulos e apontaram para ela que Carol resolveu sair correndo e trancar-se no carro.

- Carol, meu amor, me diz, você tá bem? Essas pessoas estão ainda aí?

- Não vejo ninguém, mas por favor, venha me pegar, eu não aguento mais ficar aqui...

- Claro, estou chegando. Não se preocupe. - Laila não duvidava de sua amiga, mas achava que os efeitos das drogas ainda não havia passado. Provavelmente ela estava tendo algum surto e Matheus devia ter tido uma viagem e ido passear no cemitério.

Ainda assim, todo cuidado era pouco, e podia ser que bandidos estavam por lá. Então era melhor chegar lá logo.

- Fica comigo por favor... - Carol, cada vez mais chorosa, falava.

- Sim minha querida, eu tô chegando tá bem?

- Eu tô com tanto medo... Todos eles estavam lá... Apontando... - A voz começou a falhar.

- Alô Carol! Tô te perdendo, acho que é o tempo. Não se preocupe, tô vendo o cemitério já.

--//--

Mesma noite, pouco tempo depois

A chuva estava mais calma. Laila havia estacionado logo atrás do carro deles, e quando chegou perto do carro, não havia ninguém dentro. Laila estava com medo, mas com muito mais preocupação. Se arriscou a olhar dentro do cemitério com a lanterna do seu celular. Não viu nada além dos esperados túmulos.

Laila resolveu olhar com calma e o carro de seus amigos. Percebeu que ele estava aberto, e entrou. Estava olhando entre os bancos quando seu celular começou a vibrar. Rapidamente ela o pegou, e então seu coração quase parou.

Matheus.

Apesar da descrença, Laila sentiu que um medo inexplicável tinha surgido. Deixou o telefone tocar, na esperança que ele desistisse. Mas não desistiu. E no fim, muito hesitantemente, ela atendeu.

- A-alô?

- Alô? Laila? - Quem falava era o Matheus.

Laila respirou, sentindo-se aliviada por saber que Matheus estava bem, mas sua preocupação era com sua amiga. Onde ela estava? Assim que Matheus desligasse, ela ligaria para a polícia.

- Nossa, ainda bem! Pensei que tivesse acontecido algo a ti.

- Ah, não, tudo certo comigo. Só a Carol que está ainda nervosa lá no banheiro.

- Como assim? - Laila ficou confusa.

- Ela tinha saído com as colegas de serviço, tinha uma festa ou sei lá o quê, mas na volta o carro dela parou de funcionar bem na frente do cemitério. Ela me disse que viu alguma coisa enquanto tentava ligar para um táxi que ficou com tanto medo que veio correndo embaixo de chuva. Ia ligar pra te avisar pra não atender o telefone dela porque poderia ser algum bandido querendo informação, mas você já sabe que houve algo. Quem foi que te contou?

Laila ficou muda. Ela não conseguia fechar os pontos. Se não era a Carol que havia ligado, quem tinha sido? Mas a voz parecia ser tão igual...

- Alô? Laila? Tá ouvindo?

- Tô ouvindo, tô ouvindo, desculpe. Olha, eu explico melhor quando chegar em casa. Acho que eu delirei aqui.

- Hm, tá certo. Qualquer coisa liga.

- Sim, claro, pode deixar.

Laila parou pra pensar um pouco e começou ficar com medo. Não sabia o que estava acontecendo. Era melhor cair fora dali.

Quando abriu a porta do carro, seu telefone vibrou mais uma vez:

"Carol"

E então uma voz irreconhecível vinda do banco de trás disse:

- Sabia que não me deixaria sozinha.



Revisado por: Rogers

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