Eu deveria estar dormindo, mas algo me chamou atenção.

Escutei uma voz sussurrar em meu ouvido, me mandando segui-la e foi isso que eu fiz. Era uma luz forte, viciante e brilhante que queimava minha retina, fazia meus olhos lacrimejarem, porém eu pedia por mais.

Deslizei os dedos pela tela do celular, abri abas e mais abas ao invés de dormir. Meu corpo estava cansado, mas meu cérebro trabalhava como nunca para processar todas aquelas imensas doses de informações instantâneas.

Naquele dia, 24 de julho de 2016, eu conheci Rebecca Rodrigues. Ela era maravilhosa, linda, perfeita. Entre suas postagens no Instagram estavam fotos semi-nuas mostrando um pouco do corpo magro e esbelto. Eu queria ser como ela, eu queria ser ela. Quem me dera ter aquela corpo belíssimo, o rosto macio e sem imperfeições, o cabelo lisinho, a mansão, o doce animal de estimação (um spitz alemão, meu sonho de consumo), e aquela voz... aquela voz maravilhosa. E é claro, os seguidores.

Rebecca Rodrigues tinha vários seguidores no Instagram, no Facebook, no Twitter, em todo lugar! Ela era amada por todos, era reconhecida e obtinha sucesso em tudo o que fazia.

E quem era eu? Quem sou eu? Uma menina sardenta e gorda, sem amigos e apenas 70 seguidores no Twitter. Por que ninguém leu a postagem que eu fiz no Facebook? Eu tinha 498 amigos, porém nenhum deles era capaz de responder as minhas marcações. Quem era eu? Um nada.

Ah Becky! Queria ser sua amiga, queria ser sua melhor amiga. Quem sabe assim eu não ficaria famosa? Quem sabe assim eu não seria mais amada?

Todos os dias eu sentava na cama, apática. Os dedos deslizando loucamente pelos posts de Becky. Eu tentei cantar como ela, mas eu não era boa o suficiente. Fiz até alguns vídeos, entretanto, eu tinha vergonha de postá-los. Eu não era boa o suficiente, bonita o suficiente.

Eu tirei milhares de fotos com maquiagem, tentei esconder minha falta de beleza. Ninguém pareceu notar.

A vida da Becky era tão melhor que a minha. Por que Deus escolheu ela e não eu? Por que Ele a fez tão mais bonita e especial do que eu?

Eu fui tomada por uma raiva súbita. Um ódio mortal por tudo e todos, inclusive por mim mesma. Eu tinha que ser melhor que ela, não! Eu tinha que ser ela.

Eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, Eu sou Becky Rodrigues, Eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, Eu sou Becky Rodrigues, Eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, Eu sou Becky Rodrigues,Eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, Eu sou Becky Rodrigues,Eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, eu sou Becky Rodrigues, Eu sou Becky Rodrigues.



Quando abri os olhos, eu estava lá deitada na cama dela, sentindo o seu cheiro nas roupas de cama. Não foi fácil descobrir o número de sua casa, porém levou tempo suficiente para eu me preparar para o renascimento.

Esperei um pouco até ela chegar. Assim que me viu deitada no escuro com o seu celular na mão, ela berrou. Eu disse ''Shhh'' e fui para cima dela.

um...

Ela arregalou os olhos.

dois...

Lágrimas caíram de seu rosto.

três...

Berrou e tentou se afastar.

quatro...

Caiu no chão.

cinco...

O número de vezes que eu a esfaqueei até que ela estivesse embebida em seu sangue.

A cena era perfeita, o líquido vermelho escuro havia manchado todo o carpete do quarto. Bela obra de arte feita por uma menina maravilhosa.

Eu te amo tanto, Becky.

Subi em cima de seu corpo roxo e gélido. Apoiei os cotovelos no chão e me aproximei de seu rosto, retirei uma caneta preta de meu bolso esquerdo e comecei a desenhar pontos pela sua face. Estava na hora da cirurgia.

Com cuidado, passei a ponta da faca por cima do desenho. A pele era extremamente fofa e delicada. Os músculos fizeram barulho enquanto eu os separava da camada superior de pele. Nas minhas mãos estava a sua face completamente descolada do rosto.

Suspirei.

Fui até o espelho. Peguei a agulha e linha, fechei os olhos e a costurei em mim.

Abri os olhos.

Em 30 de julho de 2016, à meia noite, eu me tornei ela.



Escrito por: Carla Gabriela
De: Ler Pode Ser Assustador






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