Até hoje meus pesadelos sobre aquela noite me assombram. Eu não costumava sair muito de casa, muito menos para ir ao shopping. Sempre detestei fazer compras, nunca tive paciência.
Mas, digamos que a idade de fazer amigos havia chegado e eu precisava me enturmar, ou melhor... digamos que minha mãe decidiu ser um pouco mais dura em relação à minha imensa vontade de me agarrar na Netflix.

-Pelo menos tente se divertir!
-Argh, mãe, que saco.
-Não me faça cancelar a assinatura.

O que custaria? Apenas uma saidinha para agradar minha mãe e depois poderia voltar para casa e fazer o de sempre.
Eram seis da noite quando a buzina tocou em frente à porta. Minha mãe me empurrou para que eu atendesse, deu-me um beijo no rosto e sorriu.

-Divirta-se!

Eu entrei no carro dele pela primeira vez, ele me lançou uma piscadela e pisou no acelerador. Admito que meu coração mudou de ritmo só um pouquinho.
Ele fez mais umas duas paradas para pegar o restante do pessoal. Estávamos em cinco no total, cinco adolescentes idiotas fazendo piadas escrotas e indo para o shopping. As meninas queriam dar olhada em blusinhas para uma festa que teria no final de semana, os meninos foram em direção da loja de jogos e eu... bem, eu fui puxada por uma delas para ajudar na escolha da blusa perfeita.

-Que legal você ter vindo.
-É, ficamos na dúvida se apareceria...

É, eu nunca participo, eu sei.
Ambas entraram no closet para experimentar mais de 10 peças de roupa, além das blusas também pegaram calças jeans, shorts, saias para combinar. Não fazia muito sentido para mim, eu mal escolhia o que vestia, para mim existiam coisas mais importantes do que ficar horas e horas procurando o par de roupas ideal. Afinal, eu não precisava de um outfit maravilhoso, quase não ia à festas... na verdade, eu nunca ia em festas.
Elas entravam e saiam do closet, davam uma rodadinha e esperavam a minha reação, que era quase sempre ''Tá legal'', ''é... tá bom''. Era óbvio que minha opinião não contaria de qualquer jeito, a escolha delas já estava feita.
Trinta minutos já haviam se passado e elas continuavam com as trocas incansáveis de roupa. Eu me encolhi no assento à frente delas e fiquei lá, estática, apenas com os dedos teclando em um jogo no celular.
O tempo foi passando e lá fora a luz desapareceu dando lugar à noite. Eu olhei o horário no celular, eram dez da noite. Caramba! Por quanto tempo permaneci ali jogando?
Me virei para trás e não havia mais ninguém na loja, nenhum barulho de cartões de crédito passando, nenhuma voz falando ao celular. E o mais importante, nenhum sinal de minhas duas acompanhantes.
Eu gelei, senti uma insegurança súbita fazendo seu caminho pelo meu peito e o apertando. Me levantei e abri rapidamente a cortina do primeiro closet. Um barulho áspero causado pelo metal deslizando sob metal e um grande nada, ninguém. Tum...tum... tum tum... tum... tum tum tum tum tum meu coração pulava para fora do peito. Abri a outra cortina. Nada.
Elas haviam desaparecido. Nem as roupas que tinham escolhido para experimentar estavam ali. Onde estavam? Onde elas estavam?
Corri pelos corredores enormes do departamento de roupas, procurei alguém em cada um dos balcões de atendimento inutilmente. Desesperada, liguei para cada uma delas. ''Esse número está impossibilitado de receber chamadas nesse momento. piiii''. Droga! Droga! Suspirei, expirei e inspirei lentamente em busca de manter a calma. Minha cabeça girava e doía, eu estava mentalmente exausta. Continuei andando pelo shopping em direção à loja de jogos, desejava com todas as minhas forças para os meninos ainda estarem ali.
Estava tudo trancado e olhando por fora a loja se mantinha vazia, intacta. Até parecia que nunca havia tido nenhum tipo de movimento o dia inteiro. Coloquei a mão na testa, estava suando frio de nervosismo. Tentei novamente o celular, nada. Nenhum deles atendia.
Bom, na pior das hipóteses era possível que eu tinha perdido a consciência por um momento... Será que eu tinha adormecido? Contudo, por que me abandonariam? Parecia completamente louco pensar que nem mesmo um segurança teria me tirado a força. Não, a menos que eu estivesse vestindo uma capa da invisibilidade.
Eu só tinha tais certezas: Primeira, eu estava no shopping sozinha; Segunda,  todos tinham ido embora/desaparecido; Terceira, ninguém atendia minhas ligações; Quarta, eu precisava achar a saída por mim mesma.
Andando solitária pela praça de alimentação parecia tão mórbido. As mesas e cadeiras vazias, o cheiro de comida parecia distante, dava mais para sentir o cheiro papel e hamburger em decomposição vindo das lixeiras.
O shopping vazio era macabro, com aquelas luzes meio acesas, meio apagadas. Os sons dos meus passos ecoando nos corredores e o meu reflexo solitário no vidro da fachada das lojas.
Eu já tinha saído do cinema quando o shopping tinha fechado várias vezes, sempre achei meio sinistro, mas eu nunca estive sozinha de verdade nessas horas. Agora eu estava.
Eu encarei de volta todos os olhares medonhos dos manequins, inclusive dos que não tinham face alguma ou os olhos dos que estavam nus, com braços e pernas mal colocados.
Quando finalmente cheguei na entrada principal, estava trancada. O sensor desligado e não permitia que a porta se abrisse. Merda! Eu teria que descer mais alguns andares até chegar na garagem, era a única saída viável.
A escada rolante estava completamente parada, desligada, sem energia e sem função. Desci por ela de qualquer jeito como se estivesse descendo por uma escada qualquer. Foi quando eu escutei um estrondo enorme, um estilhaço. Vidros quebrados caindo como chuva de granizo ao meu redor. Senti a descarga de adrenalina por todo o meu corpo, meu sangue estava quente, queimando.
Eu cobri minha cabeça com as mãos e agachei no degrau, fiquei ali, imóvel por um tempo aguardando que aquilo parasse. Desespero, angústia, aflição. De minha garganta nada saia, nem um pio, mesmo forçando um grito.
Uma sirene começou a tocar, eu senti que meus tímpanos iriam sangrar por causa do volume alto do sinal. As luzes que antes mal iluminavam o saguão, agora piscavam como se fizessem parte de uma boate. Eu escutei passos atrás de mim, risos de crianças, mas eu olhava para trás e para os lados, vasculhava pela frente e não havia ninguém. Até que levei um empurrão.
Senti minha pele ser perfurada pelos vidros, senti o sangue escorrendo pelos furos, senti o roxo sendo formado em meus cotovelos, joelhos e rosto. Protegi minha cabeça com as mãos durante a queda, enquanto rolava rapidamente escada a baixo.
Minha cabeça latejava e girava, girava, girava... como se eu estivesse em uma roda gigante na velocidade máxima. Eu tive vontade de chorar, berrar por socorro, porém eu estava sozinha e tinha que me recuperar, tinha que ser forte, levantar e tentar sair dali.
Assim que percebi que havia parado de cair, eu ignorei toda a dor massacrante que estava sentindo e me levantei devagar, com os punhos cerrados. Eu só queria que aquilo tudo acabasse, só queria que alguém me encontrasse e me levasse para casa. Eu não precisava de explicações, apenas de um descanso.
Era difícil enxergar com as luzes piscando, por isso andei me apoiando com a mão direita sob a vitrine. Os manequins me encaravam, seus olhos seguiam cada movimento que eu dava. Eu tentei ignorar o meu pavor, precisava sair dali.
Cada toque que eu dava na vitrine, minha mão manchava o vidro. Meus passos estavam cada vez mais arrastados, minha respiração cada vez mais lenta, minhas pálpebras imploravam para fechar meus olhos, mas eu continuei andando, andando e andando para o nada.
O estacionamento estava ali, coberto por uma névoa fria e branca. Não havia carros, porém dava para escutar a sirene tocando, como se tivessem armado um assalto. Alta e insuportavelmente irritante.
Eu estava cada vez mais próxima da saída, cada vez mais. Um, dois, três passos, jogando meu corpo para frente, me arrastando, só mais um pouco... só mais um...
pouco...
Não tinha nada ali. Nada. Não havia porta de saída, no lugar na catraca existia apenas uma vitrine enorme. Procurei pro saídas de emergência nas proximidades, nada.
Eu caí no chão e gritei, gritei o tanto que podia, até minhas cordas vocais arranharem.
Na frente da vitrine eu consegui enxergar algumas letras escritas com LED. Uma fachada, uma fachada escrita...

A COR DA e o restante estava borrado...
Não, não... era...
A CORDA
Uma corda?







-ACORDA! - senti um impulso enorme, como se um buraco negro tivesse me sugado. -Acorda! - e vários risos ao meu redor.
Eu fitei meus amigos sem compreender, ainda meio perdida, meio sonolenta.
-Você dormiu mesmo, né? Caramba! - disse uma das meninas.
-Realmente não dá para pedir sua opinião com roupas.
-Francamente...
Balancei a cabeça.
Os meninos as ajudaram com as sacolas enquanto as duas me ajudavam a levantar.
-Bom... to morrendo de fome. -falou.
Eu dei uma risadinha.
-Acordei na hora certa.




De: Ler Pode Ser Assustador
Escrito por: Carla Gabriela


9 comentários:

  1. Ai meu Deus
    QUE PERFEITO
    QUE JEITO DE ESCREVER MARAVILHOSO
    AAA-

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  2. sua empolgação me deixou empolgada u.u

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  3. Engraçado é nunca ligarem para o serviço de emergência

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  4. Meu Deus
    CAMILA CRUZ
    O SEU JEITO DE ESCREVER É TÃO PERFEITO
    AKSKJASJ
    EU AMO SUAS HISTÓRIAS VELHO

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  5. MANOOO, ESTOU CADA VEZ MAIS EMPOLGADA COM ESSE BLOG VIROU UM VICIO!!
    ME CHAMO JÚLIA E TENHO 13 ANOS, ESTOU LENDO ESSE BLOG DESDE DEZEMBRO E ESTOU COMPLETAMENTE VICIADA NESSE BLOG AMO TUDINHO <3 <3
    ESSA HISTÓRIA ESTA MARAVILHOSA PARABÉNS CONTINUEM ASSIM!!
    E CAMILA CRUZ? SOU SUA MAIOR FÃ PODE CRER SKSKKKS
    A CADA PALAVRA QUE LEIO SINTO MAIS VONTADE DE LER, TODAS AS HISTÓRIAS E CONTOS SÃO MUITO INCRÍVEIS!! POR FAVOR NUNCA PAREM DE FAZER ESSAS HISTÓRIAS, EU E MINHA FAMILIA (pais, irmãos e amigos) LEMOS QUASE TODOS OS DIAS, SOMOS APAIXONADOS POR TERROR PRINCIPALMENTE QUANDO SE FALA EM HISTÓRIAS DE TERROR!!! AMAMOS MUITO ESSE BLOG!!! AMO DEMAIS <3
    P.S: Ainda to esperando a parte 2 de DOLL MAKER kskkss
    (me respondam se quiserem sou fã de vocês)

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    1. É uma honra ler um comentário desse tipo, Júlia. Ficamos muito felizes que tenhamos nos tornado um passatempo tão adorado por vocês. Agradecemos o carinho e esperamos continuar contando com seus comentários em nossas publicações!

      Abraços.

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