BASEADO EM FATOS REAIS



É engraçado como você nunca escolhe o seu nome.

Ao nascer, seu nome de batismo é uma escolha de seus pais e com o tempo você passa a aceitá-lo. É claro que nos dias atuais é possível recorrer à justiça para mudar de nome, de solteiro para casado e até mesmo de sua própria identidade. Eu gostava do meu nome e já o imaginava sob os holofotes.
ELIZABETH SHORT

Devo dizer que as coisas não saíram da forma como eu imaginava, como eu sempre sonhara. E a minha vida também não foi um mar de rosas.

Eu era a terceira de cinco filhas e minha família perdeu tudo o que tinha na Grande Depressão de 29. Foi demais para o meu pai, aguentar sustentar as mulheres da família, abandonou as próprias filhas e a esposa que prometera amar até que a morte os separasse. Sim, na época eu tive um ódio tremendo dele. Como pudera? Entretanto, a saudade me pegou desprevenida quando soube que ele estava morando na Califórnia.

Eu sempre quis ser atriz na maravilhosa Hollywood. Sempre quis alcançar o estrelato e andar pela passarela vermelha com todos aqueles jornalistas babando, me fazendo perguntas e atirando os brilhantes flashes de luz no meu rosto. Além de visitar meu pai, era um imenso salto para a minha carreira ir até L.A. Então eu fui.

Eu não tinha mais nada a perder, já tinha 22 anos nas costas e meu verdadeiro amor falecera anos antes em um acidente de avião. Íamos nos casar, porém ele teve que ser o herói dos Estados Unidos e também me abandonou, como meu pai.

Os dias como aspirante à atriz eram intermináveis, tanto talento despedaçado, tantas filas enfrentadas apenas para uma mera audição para um papel que eu sabia que não estava à minha altura. Disseram que eu não era talentosa o suficiente, mas eu sabia, podia sentir o meu destino, era ali, em Los Angeles.

O dinheiro estava escasso, não podia contar com muita ajuda. Quando cheguei na Califórnia passei alguns dias com meu pai, porém havia muitos desentendimentos entre nós, não conseguia esconder meu rancor e frustração dele, e ele já não me conhecia mais. Decidi seguir meu próprio rumo, sem ele.

A vida não era nada fácil para uma jovem solitária nas ruas de L.A, tive que me virar da forma que podia, utilizar o meu poder feminino, o meu mistério. Conversei com muitos caras, deixava-os pagar bebidas para mim em troca de bate papos infinitos, jogadas de cabelo e alguns flertes. Tentavam tantas vezes me levar para a cama, eu conseguia enrolá-los, mais um pouquinho e uma bebida ali, um dinheirinho aqui e eu estava pronta para ir para casa, para o hotel. Mais um dia.

Eu já fui garçonete e até mesmo caixa num cinema, já fui a viúva, a vadia e já me chamaram até de hermafrodita, só porque não quis ficar com alguns homens em noites quaisquer.

Eu tive diversos admiradores e guardei o nome de cada um em meu diário secreto. Eu era apaixonada por ter segredos, mistérios a serem desvendados, talvez por isso a minha morte tenha sido um mistério sem solução.

Em 1946, meu penúltimo ano de vida, passei por diversos hotéis e pensões de Hollywood. Dividi quartos com várias garotas, compartilhei histórias, fofocas e experiências. Não podia imaginar que minha vida acabaria tragicamente e em breve.

Era meia noite do dia 9 de janeiro de 1947 quando saí do bar do Hotel Cecil, o último lugar no qual fui vista com vida. Eu pensei em voltar para o quarto pois estava muito cansada, mas eu queria tomar um ar, ser iluminada pela luz da lua e fingir que eram holofotes. Será que algum dia conheceriam meu nome? Fitei a minha sombra esbelta que era projetada à minha frente, eu era magra e relativamente alta, com cabelos negros, pele pálida e tinha aqueles olhos azuis que tantos invejavam. A única coisa que minha beleza não poderia comprar era a sorte de fazer sucesso, mas outra coisa podia.

Eu deixei o ar entrar por meus pulmões enquanto andava devagar no meio fio. Estava meio tonta por causa da bebida.

Quando finalmente decidi voltar fui obrigada a parar. Lá estava ele com o sorriso confiante, o sorriso que eu adorava. Meu coração bateu mais forte, porém logo caí na real. Nosso relacionamento estava em uma corda bamba, não tinha como dar certo.

Mas ele acendeu em mim novamente a chama, a loucura de amar e de ser amada. E eu me joguei em seus braços.

Me joguei para nunca mais voltar.

                                                                           ***

14 de Janeiro de 1947

Eu fiquei lá, imóvel no chão frio, infestado de insetos, lama e sangue. Meu sangue.

Ele me despedaçou cuidadosamente, com suas mãos de cirurgião. Como se despedaçasse uma boneca, partisse-a meio a meio.

Eu não estava mais ali, não estava mais presente, mas eu sei. Apenas eu posso saber como foi a sensação de ter sido exposta, nua ao ódio de meu assassino e amante. Apenas eu posso saber como foi quando ele cortou meus lábios e desenhou um sorriso de ponto a ponto em meu rosto, depois pintou-o com batom vermelho.

Apenas eu posso sentir o cheiro da morte. Porque eu estava lá.

Fiquei ali no meu leito de morte por mais algumas horas. Mutilada, esquartejada e violada.

Em 15 de Janeiro de 1947 às 10:30 me encontraram. E nunca mais passei a ser a mesma.
Antes batizada como Elizabeth Short, a terceira de cinco filhas, a sonhadora, a aspirante à atriz. Agora eu era a Dália Negra.

É engraçado como eu nunca pude escolher meu nome. Meus pais escolheram por mim na minha vida e a imprensa midiática escolheu por mim na minha morte.

Pelo menos eu fiquei famosa.








De: Ler Pode Ser Assustador
Escrito Por: Carla Gabriela

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